sábado, dezembro 30, 2006

Souvenir


Aqui me tenho
Feto sem útero
Cores em profusão
Rosto sem expressão
Polindo minha superfície
Entre a essência e a beleza
Sem o brilho natural da pele
Concebida pela reflexão alheia
Sob um universo de estrelas cegas
No reino dos restos do criador morto
Sorris a me esperar?
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Nina Delfim

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Bouquet

Enraizei-me em ti e te molhei de mim
Do entremeio nós
No ponto máximo do amor
Brotamos fecundos
Floressência
Fruta madura
Mousse macia
Polpa de cores
Amarelo-citrino e Vermelho-rubi
Macerados pelo tempo
Ainda te sinto
Guardo no carvalho o teu cheiro distinto
Retro-olfato apaixonante
Retro-gosto à boca
Sabor persistente
Madeira e tabaco confluindo em equilíbrio
Nas lágrimas bem formadas
Insisto-me Cassis
(o meu frutado mais doce)
Morango maduro
Com toques de cereja e blueberry
Inebriantes
Embriagar-nos-emos aveludados
Adstringentes seremos
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Nina Delfim

Liturgia do pecado


O nosso altar ficou pronto
não tem os afrescos de Masaccio

nem os de Michelangelo
É simples
É promíscuo
É divino
Adão & Eva aos pés da cruz
despidos de apegos
ajoelhados sobre o desejo
sem vestes morais
copulam delícias
comungam sob a nave escura
os prazeres carnais
Dois anjos nus
libertos da luz que condena
livres de tudo que aprisiona
tornam-se cúmplices do imensurável amor
e entoando Aleluias
erguem-se limpos aos céus mais íntimos
glorificando o gozo divino
aos olhos de um suposto Deus nas alturas
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Nina Delfim

segunda-feira, dezembro 25, 2006

Pietá


Em ti me encontrei
Em mim te perdi
Algemada à tua vida
Fiz do amor sentido
Minha regra de conduta
Cada grito meu
Uma ereção tua
Cada palavra tua
Um êxtase meu
Excitamos em nós dois a fome de amor
Mas impiedoso
O destino me afasta do sonho
Insaciável
O fim me aguarda
Ele já tem os cravos às mãos brutas
E sei que é chegada a hora
Ofereço-te meu corpo
Se tens fome de mim
Prova desta dor que me consome
Se tens sede
Mate-a nestas lágrimas que derramo
Regozija-te em mim porque eu te amo
De onde estou não mais te vejo
Já ouço os ais do meu martírio
Sinto meu corpo sendo rasgado
Para que tu saias de mim
Dilacerada por mãos que não temo
Ainda te quero
Sou prisioneira das orgias que previ
Mesmo na cruz
Desejo tuas negações excitantes
Anseio-te na luxúria dos meus quadris
Desata-me!
Liberta-me de ti!
Já sinto os cravos
Sangro saudades tuas
Escorro-me rubra
Não ouses ouvir meus gritos
Não quero que sofras comigo
Se o amor tiver que morrer
Que o crime seja perfeito
Crucifica-me!
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Nina Delfim

domingo, dezembro 24, 2006

Escultura

Depois que passastes por mim
restaram tantos espaços
que me perdi
Ando por todos os cantos
Procuro-me e não te acho
Toma-me tempo te exprimir em palavras
Modelo-te então no barro
A meu modo te faço
parado no tempo
sem qualquer movimento
permanente em mim
Nos tristes gestos meus
moldo alegrias sentidas
Já não mais posso seguir caminhando
pisando
sobre tudo o que deixastes aqui
Há tanto de ti por onde passo
que nem mesmo sei se ando por mim
ou se estou a passar pela vida seguindo teus passos
relendo velhas desculpas
ressucitando antigos bilhetes
No barro esculpido realço teus traços
Eternizo-me no que não és mais
Transformo-te em um adorno perfeito
Reescrevo-te em mim
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Nina Delfim

terça-feira, dezembro 12, 2006

Morrer de amor

Há muito ele a vira sair furtiva sob as pontas dos pés.

A falta de um adeus o atormentava. Se ao menos soubesse o motivo daquela atitude silenciosa, talvez a perdoasse. Nenhuma das ações corriqueiras apontava qualquer insatisfação. Tudo parecia ir tão bem entre os dois. Desconhecia a razão que a fez sair sem uma despedida.

A saudade ocupou-se em mantê-lo algemado àquele amor que o fizera feliz por tantos anos e sem oferecer resistência, entregou-se voluntariamente à tristeza, negando prontamente palavras de conforto. Abriu-se deixando que a dor se aconchegasse e inconsolável permaneceu até o seu último momento.

Transtornado pelas lembranças de um amor doentio, nem sequer cogitou a possibilidade esquecê-la.
Determinado a reencontrá-la, embrenhou-se mente adentro, farejando o rastro que a imaginação apontava como o caminho percorrido por ela na madrugada da fuga. Um resto de lucidez o mantinha ciente quanto à pequena chance de obter sucesso em sua busca. Dias se passariam até que retomasse a consciência e aceitasse a perda como irrecuperável. Sujeitara-se ao tempo se encharcando de dúvidas. Dias lentos o arrastavam por uma vida que teimava em não acontecer sem a mulher que amava tanto. Queria senti-la só mais uma vez.

As tardes se sobrepunham quentes abafando o ar e despindo as árvores. O cansaço reduzira a firmeza dos passos, cada vez mais curtos e pesados. Enquanto adentrava em sua empreitada, a esperança de reencontrá-la se dissolvia ao longo da trajetória. Desistiria de si se o calor insistisse um pouco mais.
A noite desceu fresca renovando a saudade do corpo quente ao qual estava tão habituado a se aconchegar. Quis tê-la ali, agarrada.

Diferentes um do outro. Ela, de cidade grande, moça bonita com trejeitos chamativos. Ele, um homem simples e de pouca fala, domesticado pela preguiça das pequenas cidades cobertas por poeira fina e vermelha. Compromisso social era ir à missa de domingo na igrejinha local pintada com cal virgem. De cidade grande a única lembrança que ele conservava era a do dia em que a conheceu.
Tomado pelas memórias de alegrias vividas, não se deu conta da madrugada. Não pregara os olhos um só instante.

O dia nasceu claro. Céu limpo e muito azul. Sentou-se. Puxou o ar. Olhou ao redor à procura de algo que lhe restaurasse o desejo de continuar. Corpo e pensamentos à míngua. Ao erguer-se, cambaleou e foi ao chão. Não encontrou recursos físico ou emocional disponíveis.
Sentia-se vazio, sem ossos ou músculos que lhe sustentassem a dor que lhe pesava a alma. O passado tinha ficado para trás e o rastro imaginário da mulher amada o fizera caminhar em círculo. Todo o empenho desprendido o trouxera novamente de volta para si mesmo.

Admitiu-se derrotado, recebendo o fim como uma dádiva.
A morte, que vinha de longe, mandou um aviso frio avermelhando o horizonte e o céu sangrou em solidariedade.
Manteria os olhos abertos para não encontrá-la à mente mais uma vez.
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Nina Delfim

terça-feira, novembro 28, 2006

Demência mórbida


Ressecou-se na véspera quando o desprezo lhe fez um aceno.
Ar rarefeito, desfeito de cheiros e o gosto do último beijo ardendo por dentro.
Longe da vida, por gosto, entregou-se à volúpia do que o satisfazia. Covarde demais para cogitar o auto flagelo seguiu à procura de alguém que o punisse. Enquanto as pegadas cresciam na sombra, do fundo escuro da imagem projetada sobre o piso frio escapou um som diferente, um choro concêntrico e único. Se havia mais alguém por perto, existia em silêncio e, se sofria, era de uma dor inaudível. Passaria horas afinando sílabas para compor com perfeição uma palavra capaz de exprimir com fidelidade o ruído daquele sentimento. Era um fraco-forte oscilante que nada tinha do que trazia consigo, mas que doía, doía tanto quanto a coragem que ele não tinha quando se sentia lúcido.
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Nina Delfim

quarta-feira, novembro 15, 2006

Sublimação


De tanto falar
de amor
a poesia ficou louca
submeteu-se à agulha
costurou a própria boca
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Nina Delfim

terça-feira, novembro 07, 2006

Appassionato melancólico


Num amplexo de posse nos atamos
Iniciamos no inexorável tempo um adágio amoroso
Entregamo-nos íntimos aos sons inaudíveis mais genuínos
Quedamo-nos lascivos por um amor sustenido
compondo em appassionato um allegro magnífico
Muito além da carne nos sentimos
Fomos almas rimando fragmentos de auras com desejos
Harmonizamo-nos delirantes pelas linhas da pauta
Mas da música executada ecoou um som seco e triste
Semifusas extremadas e confusas surgiram
impondo à melodia um rítmo confuso
Sincopados nos perdemos no compasso
e o som soluçante de um bandoneón insistente
chorou nossa letra cantada em lunfardo
O violino e o piano anunciaram o pranto
Um breve gesto da vida mestra encerrou a partitura
A composição concluída só toca agora as notas de repulsa
O amor perseguido por uma marcha fúnebre
num ímpeto malevolente se ressente
em gestos insanos nos quer dizer adeus
Tanta sonoridade expressamos que nem mais sei o que fomos
Se um tango melancólico em adágio
Se o allegro de uma sonata
ou um fado dissonante
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Nina Delfim

quarta-feira, outubro 25, 2006

DOI-CODI

um resto indefeso
violado
encharcado
marcado a ferros

á boca um trapo
sufocando gritos
doídos
constantes

Inflexível Ódio
fardado
bordunas
golpes de aço
testículos
anus rompido
honra e ossos quebrados

Super-homem vencido

herói sem história

Rins

alma

baço

sofrimento extraído

bisturi

escuro afiado

capuz aliado
do medo

espirrado
escorrendo esperança
perdida

distante da vida

urinou
gemeu
defecou
implorou pela morte

Pausa
Parada súbita
Um grito carrasco ordenou:

“Chama o doutor! O merda ainda não assinou!”
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“Senhor Deus dos desgraçados,
Dizei-me Vós, Senhor Deus, Se é mentira,
se é verdade, Tanto horror perante os céus.”
(Castro Alves)
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Nina Delfim

terça-feira, outubro 24, 2006

Nudas veritas



Recuou. Precisava de um pouco mais de tempo. Parecia-lhe indissolúvel o elo estabelecido entre ambos. A luz flamejante iluminou o caminho. Absorto pelas sensações internas desviou o olhar da tentadora curiosidade em vislumbrar as armadilhas que o aguardavam. Resistiria com bravura ao mosaico de impulsos sinestésicos que lhe impunha o dedo em riste do mundo exterior. O medo o arremessou contra o córtex. Quanto mais o puxavam para fora mais ele se encolhia dentro. Desgarrar-se do útero dela seria o primeiro passo em direção a morte. Lamentou-se por não ter ventosas às mãos. Exaurido, escorregou tão logo os frágeis ossos se afastaram. Fora do ventre, a realidade fatídica lhe estendeu os braços e prematura seguiu a vida breve. Providencial, a miséria com os olhos esbugalhados já havia lhe preparado o leito. Obstinada e sedenta em sua antropofagia cavara uma cova rasa para enterrá-lo ainda pequeno. Foi-se o menino dentro do prazo previsto. Antes que inteirasse dois anos de sobrevida recebeu o Espírito Santo e a Extrema Unção.
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Nina Delfim


segunda-feira, outubro 09, 2006

Aos olhos do mar



Entre uma e outra expressão tua
eu te vi a me olhar
Ao ver que me olhavas
fiz-me tua em teus olhos
Olhei-te pelo prazer de ver
pelo gosto de te ver ali
frente aos meus olhos
olhando para mim
Tu não tinhas aos olhos um olhar comum
os teus
enquanto nos meus
percorriam-me devorando minha nítida visão
Teus sons distantes
lançados além do mar
aos meus ouvidos
ficavam mudos
Palavras não semeadas nasciam súbitas
e só de amor pus-me a falar
Metia-me medo te olhar nos olhos
O que neles eu via
conspiraravam contra mim
Ao navegar em ti
assombros cresciam
pois teus olhos me viam além de mim
mergulhavam em minhas profundezas
desvendando-me frente a ti
Teus olhos
tão lindos
sentiam e falavam por mim
À luz dos olhos teus
fiz-me nua
despi-me de minhas defesas
e fiz amor contigo através da tua retina
Mas refém de tantos outros olhares
o teu olhar não me pertencia
receei então ancorar-me em ti
às pálpebras molhadas te comprimi
Ondas de pensamentos
levaram-me ao fundo de mim
naufraguei em vontades
nadei em dolosas saudades de ti
Agora
com os olhos fechados
sofro por este amor além mar
e cá estou desejando não mais ver-te a me olhar
implorando-te para que nunca mais deixes
os teus olhos sobre os meus.
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Nina Delfim

sábado, outubro 07, 2006

100 asas



Em vôos acorrentados
atravesso ares
e os arcos da íris
em busca de novos versos

Das sobras opacas de palavras
sem textura ou contexto
precipito-me

Vida vaga
sem previsão de epílogo
Da íris opaca escorrem folículos
fracos focos de um pensar não reciclado

Afugento os signos luzentes
da trama de falas em alto relevo
procuro aquilo que dorme tranqüilamente
sob minha sórdida arbitrariedade
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Nina Delfim

domingo, outubro 01, 2006

A rima


Criou-se a si própria
para a alegria dos homens
Bem-aventurados os escolhidos
para prevaricar com ela
Aos habituados à pressa
eu aconselho cautela
Guarde-a na boca
bem embaixo da língua
como um último desejo a ser saboreado
Sedenta
ela vai como o pólen no vento
leve
leviana
espalha-se
fecundando tudo
Não deixe que se perca
perdida se torna vulgar
entrega-se sem qualquer sentimento
Não tente saciá-la
Não se atreva a domá-la
receba-a simplesmente
deixe que venha
assim
como um beijo
No primeiro contato
seja discreto
controle o suor e o desejo
não demonstre excitação
insinue-se apenas
Fique atento ao compasso
ao menor sinal de descuido
acabará aprisionado no tempo comum
que só ela domina
Proteja-se dela
em caso de tormento
não demonstre aflição
através da insegurança ela te invade
alienando idéias
comprometendo o efeito da ação
Nem pense em decifrá-la
ela é cheia de artimanhas
adora delírios e lágrimas
Defenda-se e não se renda
Por fora é obscena
Por dentro ela é suntuosa
comunga recursos sedutores com sintonia perfeita
Cuidado
mantenha distância segura
proximidade exagerada
danifica a razão ocasionando o vício
Possuído por ela
não vai lhe sobrar nada
e sem criatividade
não poderá conquistá-la
Vista de longe parece comum
frívola e circunstancial
mas não se deixe enganar
duvide desta doce aparência
ela é sútil por isto é perigosa
Aproxime-se lentamente
evite tocá-la de impreviso
ela é avessa ao toque não consentido
se faz dura e quase sólida
interferindo em tudo
até mesmo no ritmo da fala
Conserve a paciência
penetrá-la à força
é agir contra o tempo cadenciado
ela tem seu próprio movimento
Seduzida ela inspira
exibe-se exclusiva
mostra-se bela e se faz rara
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Nina Delfim

sábado, setembro 09, 2006

Ruptura da Rima



escorregadia
a palavra
c
a
i
u
da
linha
desalinhada
a poesia
perdeu a rima


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Nina Delfim

segunda-feira, agosto 21, 2006

Insone




nas
noites
adentro
sem sono algum
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Nina Delfim

domingo, agosto 13, 2006

Cupido


Mira o alvo
Erra
Inconformado
Posiciona
O arco
Mira
A seta
Acerta
Ai de mim!
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Nina Delfim

quarta-feira, março 22, 2006

Passa-tempo



Não há mais tempo
no instante
que não passa
Em passos lentos
passo
por cima das horas
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Nina Delfim


Insônia



A noite tropeça
o universo cai sobre mim
mas antes que o dia amanheça
adormecerei
estrelas
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Nina Delfim

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

circunferência


Por onde passo
deixo meu rastro
cheiros que marcam
delimitando espaços
que chamo de meus
Compassado o passo
passo-a-passo
procedo
sigo
redesenhando
o círculo
que faço
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Nina Delfim

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Além da visão (Dueto)


Os livros estão espalhados pelo chão... montanhas de livros nesta sala... gostas de ver-me assim sentada e nua... assim... nesta pilha de livros... são páginas e páginas de uma vida... de vidas e vidas...

Gosto sim. E quem não gostaria de assim te ver? A imagem do teu corpo envolto de livros, de páginas e palavras dançantes, palavras cantantes, recorda-me que uma imagem vale mais que mil palavras. A imagem que tenho de ti revela-me muito mais a teu respeito que me poderiam dizer todos os livros que vejo aqui espalhados.

Eu sei que queres ler-me. Sei que queres ler todas as páginas da minha vida... eu sei... vejo o desejo crescer através dos teus olhos...

Um olhar diz tudo. O meu olhar diz tudo sim. O meu olhar diz-te tudo e não te mente, não te engana...

Não digas nada então... Eu pego nas tuas mãos. Não olhes mais para o meu corpo. Agora tenho vergonha. Quando me olhas eu vejo dez pares de olhos de vidas passadas... sinto-me angustiada... fecha-os para que não recorde quartos que transpiram a sexo. Fecha-os para que as imagens não me sigam e me assombrem nesta sala cheia de livros... Não, não fales!... não olhes... eu falo por ti. Adivinho-te cada pensamento que te assombra neste momento. Tens medo. Eu sinto a minha angústia que te provoca um pânico delicioso. Agarro as tuas mãos.

Sei que me proibiste de falar e de te olhar, mas não consigo impedir as minhas mãos de falarem por mim, de olharem por mim... através das minhas mãos eu vejo-te, eu leio-te... sinto cada palavra no teu silêncio, cada palavra enterrada no teu corpo. Palavras que te deixaram; palavras que nunca disseste. E eu sigo-te... sigo o teu corpo como se fosse espécie de bengala. O teu corpo é luz e é caminho. Eu sou um cego que te segue. Mas fico calado e quieto. Respeito-te porque respeito a tua vontade.

Deixa-os fechados. Deixa os teus olhos fechados. Assim não sinto vergonha do meu corpo ausente de olhos passados, de mãos passadas. De quartos que ainda hoje transpiram sexo. Eu fiquei lá. Sente esta página. Vê com os dedos os rasgos que deixaram ao lê-la... Sinto as tuas mãos percorreram cada folha de mim... sinto os teus dedos... tocas-me suavemente... tens medo que esta e esta página acabem por desprender-se de mim... Em tempos, pedi-te que me abrisses e me lesses... relê-me outra vez. Lê agora as páginas arrancadas. As minhas páginas arrancadas. As páginas secretas, obscuras... que só um cego consegue ler...

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Alexandra Antunes e Corto Maltese