terça-feira, novembro 28, 2006

Demência mórbida


Ressecou-se na véspera quando o desprezo lhe fez um aceno.
Ar rarefeito, desfeito de cheiros e o gosto do último beijo ardendo por dentro.
Longe da vida, por gosto, entregou-se à volúpia do que o satisfazia. Covarde demais para cogitar o auto flagelo seguiu à procura de alguém que o punisse. Enquanto as pegadas cresciam na sombra, do fundo escuro da imagem projetada sobre o piso frio escapou um som diferente, um choro concêntrico e único. Se havia mais alguém por perto, existia em silêncio e, se sofria, era de uma dor inaudível. Passaria horas afinando sílabas para compor com perfeição uma palavra capaz de exprimir com fidelidade o ruído daquele sentimento. Era um fraco-forte oscilante que nada tinha do que trazia consigo, mas que doía, doía tanto quanto a coragem que ele não tinha quando se sentia lúcido.
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Nina Delfim

quarta-feira, novembro 15, 2006

Sublimação


De tanto falar
de amor
a poesia ficou louca
submeteu-se à agulha
costurou a própria boca
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Nina Delfim

terça-feira, novembro 07, 2006

Appassionato melancólico


Num amplexo de posse nos atamos
Iniciamos no inexorável tempo um adágio amoroso
Entregamo-nos íntimos aos sons inaudíveis mais genuínos
Quedamo-nos lascivos por um amor sustenido
compondo em appassionato um allegro magnífico
Muito além da carne nos sentimos
Fomos almas rimando fragmentos de auras com desejos
Harmonizamo-nos delirantes pelas linhas da pauta
Mas da música executada ecoou um som seco e triste
Semifusas extremadas e confusas surgiram
impondo à melodia um rítmo confuso
Sincopados nos perdemos no compasso
e o som soluçante de um bandoneón insistente
chorou nossa letra cantada em lunfardo
O violino e o piano anunciaram o pranto
Um breve gesto da vida mestra encerrou a partitura
A composição concluída só toca agora as notas de repulsa
O amor perseguido por uma marcha fúnebre
num ímpeto malevolente se ressente
em gestos insanos nos quer dizer adeus
Tanta sonoridade expressamos que nem mais sei o que fomos
Se um tango melancólico em adágio
Se o allegro de uma sonata
ou um fado dissonante
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Nina Delfim