sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Objeto de consumo


Convencida de que não seria sucumbida pela escassez de alternativas, pressionou delicadamente o corpo contra o dele e fez uso da sedução como recurso. Encaixou-se, acomodando-o confortávelmente dentro dela.

Em movimentos circulares, entremeados por um ir e vir harmonioso, confessou o desejo de sobreviver a excitação no exato momento que antecedesse ao orgasmo. Embora não parecesse uma idéia apropriada, ele se mostrou curioso quanto a razão implícita na proposta dela.


Definiram, entre beijos molhados, as regras
. Aguardariam pelo suor e pela respiração ofegante para rasgarem todos os paradigmas. Quando todos os poros estivessem abertos ela atirar-lhe-ia a face o feminismo exacerbado que transformou o troglodita em um homem sem expressão própria. Ele, por sua vez, a questionaria a masculinidade adotada por ela para superá-lo na disputa por espaços.

A excitação deveria ser controlada, atingir o clímax premiaria a supremacia masculina e ao mesmo tempo atestaria confirmaria a vitória das mulheres nos enfrentamentos.


O fato de serem corpos desconfiados expostos à submissão mútua, desencadeou pensamentos em série e, sem que se dessem conta, tiveram sua intenção subornada pelo desejo.
Á face, ele ostentava o mesmo sorriso safado de quem vence uma partida blefada de truco. Percebê-la à sua inteira disposição fragilizava os princípios feministas, que desobedientes, ofegavam.

A umidade crescente interferira na unidade inicial mudando o curso e transformando o discurso planejado em palavras já conhecidas por ambos.
Ela havia sido dominada e estava ciente disto. Naquele momento nenhuma alternativa a justificaria como um ser capaz de interferir no que a engolia silenciosamente. Encontrava-se completamente limitada à sua condição de mulher. Todos os territórios estavam demarcados por seculares jatos de esperma, qualquer que fosse o espaço a ser ocupado já teria pertencido a ele de algum modo.

Uma preguiça de recomeçar o enfrentamento fez com que se rendesse mais uma vez. Abrir os olhos àquela altura, quando os movimentos dos quadris denunciavam um eminente orgasmo, de nada adiantaria.

À boca, o freio adaptado não a incomodou, adormeceu comodamente abraçada à insegurança dele.
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Nina Delfim

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Mulher de ninguém

Desmantelado o cativeiro
resgatou-se rompendo as correntes
Ergueu-se ferida e se expôs ao mundo dos homens
Perdeu seu ar de graça aparente
Queimou conceitos decadentes
Incendiou os costumes existentes
Despiu-se completamente
Descartou-se da beleza que agradava ao seu senhor
Exibiu-se gente
esteticamente imperfeita
livre de todas as faces que a ocultavam
Afrontados pela capacidade demonstrada por ela
expuseram-na antiética ao caos de suas misérias
Vagou entre os extremos de ser ventre ou ser alguém na vida
Solta na imensidão do novo nada
encolhida sob o todo restante ainda por conquistar
perdeu a inocência ao ser atacada frontalmente pela insegurança
Foi à luta despida
armada de convicções decentes
Com a liberação da "pílula mágica”
de promíscua e vagabunda foi taxada
Independente da moral e dos "bons" costumes
o ato sexual foi tornado um prazer ao seu alcance
A influência externa quis moldá-la à força
equilibrou-se sobre a linha tênue que a conduzia
decidida em sua jornada feminina
enraizou suas primeiras glórias na certeza de oytras muitas
Estrategista de primeira
empobreceu o compartilhar conveniente aos ditames sociais
elaborando regras básicas de convivência humana
Fragilizada pelas atrocidades cometidas contra ela
gozou em silêncio vaidades e pequenas vitórias
convocando o mundo a uma audição de seus sons mais íntimos
Em vermelho escorreu-se
concebendo um mundo imprevisto e singular
sangrando em todas as cores e bandeiras
A liberdade se exibia sem pudores
instigando-a a desfazer-se dos horrores da submissão absurda
Na mais completa ausência de teorias
tornou-se o resultado do que não poderia mais ser
Fixou os pés além das fronteiras que avistava
Reconheceu-se igual
À primeira vista
permitiu-se deslumbrada
encantando-se com cada um de seus recantos
marcando a própria pele com impressões falsas
Drástica à ausência do cabresto
apagou de suas experimentações os pronomes possessivos
Livrou-se das amarras
definindo-se senhora de si
Uma mulher de ninguém
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Nina Delfim