Há muito ele a vira sair furtiva sob as pontas dos pés.
A falta de um adeus o atormentava. Se ao menos soubesse o motivo daquela atitude silenciosa, talvez a perdoasse. Nenhuma das ações corriqueiras apontava qualquer insatisfação. Tudo parecia ir tão bem entre os dois. Desconhecia a razão que a fez sair sem uma despedida.
A saudade ocupou-se em mantê-lo algemado àquele amor que o fizera feliz por tantos anos e sem oferecer resistência, entregou-se voluntariamente à tristeza, negando prontamente palavras de conforto. Abriu-se deixando que a dor se aconchegasse e inconsolável permaneceu até o seu último momento.
Transtornado pelas lembranças de um amor doentio, nem sequer cogitou a possibilidade esquecê-la. Determinado a reencontrá-la, embrenhou-se mente adentro, farejando o rastro que a imaginação apontava como o caminho percorrido por ela na madrugada da fuga. Um resto de lucidez o mantinha ciente quanto à pequena chance de obter sucesso em sua busca. Dias se passariam até que retomasse a consciência e aceitasse a perda como irrecuperável. Sujeitara-se ao tempo se encharcando de dúvidas. Dias lentos o arrastavam por uma vida que teimava em não acontecer sem a mulher que amava tanto. Queria senti-la só mais uma vez.
As tardes se sobrepunham quentes abafando o ar e despindo as árvores. O cansaço reduzira a firmeza dos passos, cada vez mais curtos e pesados. Enquanto adentrava em sua empreitada, a esperança de reencontrá-la se dissolvia ao longo da trajetória. Desistiria de si se o calor insistisse um pouco mais. A noite desceu fresca renovando a saudade do corpo quente ao qual estava tão habituado a se aconchegar. Quis tê-la ali, agarrada.
Diferentes um do outro. Ela, de cidade grande, moça bonita com trejeitos chamativos. Ele, um homem simples e de pouca fala, domesticado pela preguiça das pequenas cidades cobertas por poeira fina e vermelha. Compromisso social era ir à missa de domingo na igrejinha local pintada com cal virgem. De cidade grande a única lembrança que ele conservava era a do dia em que a conheceu. Tomado pelas memórias de alegrias vividas, não se deu conta da madrugada. Não pregara os olhos um só instante.
O dia nasceu claro. Céu limpo e muito azul. Sentou-se. Puxou o ar. Olhou ao redor à procura de algo que lhe restaurasse o desejo de continuar. Corpo e pensamentos à míngua. Ao erguer-se, cambaleou e foi ao chão. Não encontrou recursos físico ou emocional disponíveis. Sentia-se vazio, sem ossos ou músculos que lhe sustentassem a dor que lhe pesava a alma. O passado tinha ficado para trás e o rastro imaginário da mulher amada o fizera caminhar em círculo. Todo o empenho desprendido o trouxera novamente de volta para si mesmo.
Admitiu-se derrotado, recebendo o fim como uma dádiva. A morte, que vinha de longe, mandou um aviso frio avermelhando o horizonte e o céu sangrou em solidariedade.
Manteria os olhos abertos para não encontrá-la à mente mais uma vez.
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Nina Delfim