quinta-feira, março 24, 2005

À morte


Confessou a morte que q
ueria viver
Cravou à mente despida as unhas pintadas de cores vivas
Estava disposta a remover de si todos aqueles tons cinzentos
Um filete de luz a convidava a atrever-se e exigir vida
Erguendo-se frouxa contra o seu próprio encerramento
compreendeu que aceitar-se derrotada
reduziria o efeito da dolorosa despedida
Fervilhava-lhe ao estomago uma ânsia aflita

a bílis irrigava-lhe a língua ferina impiedosamente
Engoliu suas amarguras corajosamente
contendo um vômito proeminente
Há dias não comia ou bebia
a veia era alimentada insistentemente
A boca entreaberta
já pronunciava palavras atrapalhadas
A morte estava ao lado
cheia de si

a preenchia cinicamente
espalhando sobre ela todos os seus paradigmas
Salivou cada segundo restante
O ar se tornou denso e a respiração inconstante
uma dor aguda fez com que mordesse o lábio inferior
A morfina abrandou seus tremores e medos
acalmando seus horrores fúnebres

Calafrios e ais lacrimejantes a crucificaram injustamente
À face abatida e pesada
um sorriso indiferente a
repousou
um vago olhar pareceu perguntar:

Vida, nada mais tens a me dizer?
.
.
.
Nina Delfim