sexta-feira, outubro 21, 2005

Aborto



Grávida de lua
pariu a meNina
o ciclo vão
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Nina Delfim

quinta-feira, março 24, 2005

À morte


Confessou a morte que q
ueria viver
Cravou à mente despida as unhas pintadas de cores vivas
Estava disposta a remover de si todos aqueles tons cinzentos
Um filete de luz a convidava a atrever-se e exigir vida
Erguendo-se frouxa contra o seu próprio encerramento
compreendeu que aceitar-se derrotada
reduziria o efeito da dolorosa despedida
Fervilhava-lhe ao estomago uma ânsia aflita

a bílis irrigava-lhe a língua ferina impiedosamente
Engoliu suas amarguras corajosamente
contendo um vômito proeminente
Há dias não comia ou bebia
a veia era alimentada insistentemente
A boca entreaberta
já pronunciava palavras atrapalhadas
A morte estava ao lado
cheia de si

a preenchia cinicamente
espalhando sobre ela todos os seus paradigmas
Salivou cada segundo restante
O ar se tornou denso e a respiração inconstante
uma dor aguda fez com que mordesse o lábio inferior
A morfina abrandou seus tremores e medos
acalmando seus horrores fúnebres

Calafrios e ais lacrimejantes a crucificaram injustamente
À face abatida e pesada
um sorriso indiferente a
repousou
um vago olhar pareceu perguntar:

Vida, nada mais tens a me dizer?
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Nina Delfim


sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Objeto de consumo


Convencida de que não seria sucumbida pela escassez de alternativas, pressionou delicadamente o corpo contra o dele e fez uso da sedução como recurso. Encaixou-se, acomodando-o confortávelmente dentro dela.

Em movimentos circulares, entremeados por um ir e vir harmonioso, confessou o desejo de sobreviver a excitação no exato momento que antecedesse ao orgasmo. Embora não parecesse uma idéia apropriada, ele se mostrou curioso quanto a razão implícita na proposta dela.


Definiram, entre beijos molhados, as regras
. Aguardariam pelo suor e pela respiração ofegante para rasgarem todos os paradigmas. Quando todos os poros estivessem abertos ela atirar-lhe-ia a face o feminismo exacerbado que transformou o troglodita em um homem sem expressão própria. Ele, por sua vez, a questionaria a masculinidade adotada por ela para superá-lo na disputa por espaços.

A excitação deveria ser controlada, atingir o clímax premiaria a supremacia masculina e ao mesmo tempo atestaria confirmaria a vitória das mulheres nos enfrentamentos.


O fato de serem corpos desconfiados expostos à submissão mútua, desencadeou pensamentos em série e, sem que se dessem conta, tiveram sua intenção subornada pelo desejo.
Á face, ele ostentava o mesmo sorriso safado de quem vence uma partida blefada de truco. Percebê-la à sua inteira disposição fragilizava os princípios feministas, que desobedientes, ofegavam.

A umidade crescente interferira na unidade inicial mudando o curso e transformando o discurso planejado em palavras já conhecidas por ambos.
Ela havia sido dominada e estava ciente disto. Naquele momento nenhuma alternativa a justificaria como um ser capaz de interferir no que a engolia silenciosamente. Encontrava-se completamente limitada à sua condição de mulher. Todos os territórios estavam demarcados por seculares jatos de esperma, qualquer que fosse o espaço a ser ocupado já teria pertencido a ele de algum modo.

Uma preguiça de recomeçar o enfrentamento fez com que se rendesse mais uma vez. Abrir os olhos àquela altura, quando os movimentos dos quadris denunciavam um eminente orgasmo, de nada adiantaria.

À boca, o freio adaptado não a incomodou, adormeceu comodamente abraçada à insegurança dele.
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Nina Delfim

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Mulher de ninguém

Desmantelado o cativeiro
resgatou-se rompendo as correntes
Ergueu-se ferida e se expôs ao mundo dos homens
Perdeu seu ar de graça aparente
Queimou conceitos decadentes
Incendiou os costumes existentes
Despiu-se completamente
Descartou-se da beleza que agradava ao seu senhor
Exibiu-se gente
esteticamente imperfeita
livre de todas as faces que a ocultavam
Afrontados pela capacidade demonstrada por ela
expuseram-na antiética ao caos de suas misérias
Vagou entre os extremos de ser ventre ou ser alguém na vida
Solta na imensidão do novo nada
encolhida sob o todo restante ainda por conquistar
perdeu a inocência ao ser atacada frontalmente pela insegurança
Foi à luta despida
armada de convicções decentes
Com a liberação da "pílula mágica”
de promíscua e vagabunda foi taxada
Independente da moral e dos "bons" costumes
o ato sexual foi tornado um prazer ao seu alcance
A influência externa quis moldá-la à força
equilibrou-se sobre a linha tênue que a conduzia
decidida em sua jornada feminina
enraizou suas primeiras glórias na certeza de oytras muitas
Estrategista de primeira
empobreceu o compartilhar conveniente aos ditames sociais
elaborando regras básicas de convivência humana
Fragilizada pelas atrocidades cometidas contra ela
gozou em silêncio vaidades e pequenas vitórias
convocando o mundo a uma audição de seus sons mais íntimos
Em vermelho escorreu-se
concebendo um mundo imprevisto e singular
sangrando em todas as cores e bandeiras
A liberdade se exibia sem pudores
instigando-a a desfazer-se dos horrores da submissão absurda
Na mais completa ausência de teorias
tornou-se o resultado do que não poderia mais ser
Fixou os pés além das fronteiras que avistava
Reconheceu-se igual
À primeira vista
permitiu-se deslumbrada
encantando-se com cada um de seus recantos
marcando a própria pele com impressões falsas
Drástica à ausência do cabresto
apagou de suas experimentações os pronomes possessivos
Livrou-se das amarras
definindo-se senhora de si
Uma mulher de ninguém
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Nina Delfim

quarta-feira, janeiro 05, 2005

terça-feira, janeiro 04, 2005

Air du froid



Klaus Nomi(1944-1983)

Cantor contra-tenor e barítono alemão, Klaus Nomi foi nomeado “clown” cibernético de uma Commedia dell’Arte Cósmica. Músico e ator performático, ícone dos anos 80 reputado pelas notáveis atuações vocais e invulgar personagem de palco com espectáculos bizarramente teatrais.
O visual de Nomi foi inspirado na combinação do expressionismo alemão com o design da escola Bauhaus. Suas performances iam desde interpretações de ópera clássica acompanhadas por sintetizadores a covers de músicas como The Twist de Chubby Checker.

Imperdíveis: Der Mussbaum, Lightning Strikes, The Twist, Samson and Delilah, The Cold Song, Air du froid.

Pain of Salvation - Latericius

segunda-feira, janeiro 03, 2005

sábado, janeiro 01, 2005

Menina D'Lua

Emilie Simon - Desert

Delicada relação


...e com docilidade extrema compartilhavam os pequenos prazeres diários. A assustadora desordem amorosa, observada nos dias de hoje entre homens e mulheres, não necessariamente nesta ordem, não os havia alcançado, viviam sem sobressaltos uma relação de amor gostoso, aconchegante e sem controvérsias. Simplesmente felizes...
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Se nos fosse dado o direito de dar continuidade a história acima, certamente inferiríamos ao seu contexto nossas impressões. Existem muitas maneiras de se concluir uma história de amor. Podemos dar a ela um desenrolar feliz ou acrescentar-lhe uma série de conflitos com um desfecho dramático e infeliz.
O pessimista tem sempre em mente a certeza de que a desgraça é eminente, hora ou outra tudo vai desmoronar e o otimista acaba pecando por excesso de autoconfiança. Ao se deliciar exageradamente com um suposto "viveremos felizes para sempre" se esquece de proporcionar à relação os estímulos necessários para que ela tenha realmente alguma chance de ser feliz.
Mais uma vez, a razão parece se situar ao centro, no meio do todo.
Quando tomamos conhecimento da existência de relacionamentos perfeitos, uma série de perguntas nos aflige. Especialistas do mundo inteiro em comportamento vêm buscando uma resposta acertada para saciar as inúmeras dúvidas existentes no que diz respeito ao amor, este sentimento tão desejado e minimamente usufruído que, desde os primórdios afronta a raça humana, afogando-a em um lastimável mar de lágrimas. Chora-se por amores fracassados mais do que por qualquer outro motivo.
Atribui-se a responsabilidade pela desordem amorosa aos mais diversos fatores, certamente do conhecimento de todos, já que relações conturbadas têm sido um tema de abordagem freqüente nos meios de comunicação e no
dia-a-dia de todos nós. Perderíamos horas à procura dos possíveis responsáveis e provavelmente não os encontraríamos. Seria adorável compreender o porque da maioria não conseguir vivenciar o amor sem a presença de tanto sofrimento. As justificativas apresentadas até o momento são meras suposições. O amor e suas variações parece não caber à intelectualidade.
Talvez este seja o cerne da questão, tirar proveito da sensação evitando a compreensão dos seus sutis rigores.
Por que o amor tem fácil combustão e é tão volátil?
Somos tão inseguros quando ousamos esta experimentação que acabamos por nos precaver excessivamente para não vê-la fracassar. São tantos os fantasmas a nos atormentar que esquecemos de aproveitar as vantagens ocasionadas por este estágio de sublimação. A vigília se torna tão minuciosa que a imaginação adoece, perturbando a lucidez. Se estivermos alterados não saberemos como lidar com a situação, às vezes distorcida.
Uma série de valores nos foi ensinado desde a mais tenra infância e todos eles estarão presentes em nossas ações. É muito comum rejeitarmos sentimentos que nos colocam em desvantagem. Esquivamos-nos habilmente à parcela de responsabilidade que nos cabe em acontecimentos desagradáveis. Sempre que possível encontraremos no "outro" uma ação qualquer que torne a nossa atitude compreensível. Se perspicazes conseguiremos não só nos livrarmos da nossa suposta culpa, mas fazer com que o outro a aceite como sua. Somos inegavelmente perversos! O instinto animal nos convoca diariamente à auto proteção. Relações amorosas que poderiam durar anos, não têm sobrevivido a dias ou meses. De um modo geral, o amor é um assunto muito verbalizado e raramente usufruído.
Que pena não é mesmo! Onde está o amor perfeito que tanto nos comove em filmes e best sellers? Eu não sei! Adoraria ter às mãos a resposta certa. Assim como você, permaneço agarrada a explicações pouco convincentes e sem aplicabilidade. Quem sabe se "baixássemos a guarda" não aumentaríamos as nossas chances para vivenciarmos nossas emoções sem tanto sofrimento.
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Nina Delfim