quarta-feira, maio 23, 2007

Affair de amor e ódio


Excitado ao vê-la ali
exposta
virgem e aberta sem pudores sobre a superfície fria
Exibiu-lhe a boca sedenta e as mãos ansiosas
Despiu-se dos preconceitos e se entregou à magia dela
À mente latejavam idéias incandescentes
A imaginação desativara-lhe os sentidos passivos
Uma fome de expressar volição própria apossou-se dele
desencadeando um processo cognoscitivo descontrolado
Imagens visuais do que faria com ela queimavam-lhe à boca do estômago
O sentido olfativo intensificado aguçava-lhe a vontade de cheirá-la inteira
Desgustá-la-ia com brutalidade para marcar-se nela em definitivo
Ao observá-la tão indefesa
exteriorizou os mais promíscuos e perversos pensamentos
A rotina pungente o tornara um tolo a repetir-se
Sentia-se estreito e sem qualquer resíduo criativo
Tudo o incitava a livrar-se do convencional
A libido pulsava sob as veias diante a inusitada façanha
As palavras dilatavam-se dentro dele erotizando-o
Um enredo subconsciente surgiu das evocações imaginadas
Quis naquele momento
fazer da inspiração uma secreção corpórea
Quis jorrar-se em rios de leite
Tomado por uma ereção de versos medíocres
excitou-se e num ato brusco atirou-se bruto sobre ela
À mente doentia entregou-se
iniciando com euforia o seu fetiche literário
Diante do inesperado gesto de selvageria
ela nada pôde fazer para contê-lo
Aquela furiosa intervenção súbita a imobilizara por completo
À contragosto só restou obedecer-lho
e às mãos que a prendiam submeter-se
Ao vê-la ali escravizada
reduzida à condição de mero objeto-estímulo
tocou-a com precisão vocabular
devorando-a com os olhos
Severas punições lhe seriam impostas
Seduzi-la-ia antes de marcá-la com a sua eficiência poética
Torturá-la-ia até que o êxtase fosse um desejo incontrolável
Agarrou-se à fragilidade com as unhas
Agraciá-la-ia com o lirismo restante
Amor e ódio se confrontariam num embate vibrante
Violentá-la-ia com todos os ornamentos lingüísticos
A repetição de movimentos proporcionaria o contexto adequado
O último dos seus atos repulsivos seria nela realizado
Com aguçada percepção estética
inseriu-lhe prazerosamente a língua vigorosa
Cada gemido colhido deveria se tornar físico
Entrou em aflição silenciosa ao percebe-la resistente
involuntárias contrações sobrevieram diante a negação
Quanto mais ela se fechava
maior era a vontade de enterrar-se dentro
A posição arbitrária o privilegiava
favorecendo uma penetração dolorosa e alucinante
Abriu-a com rudeza
Meteu-lhe palavras duras até às entranhas
Mãos desesperadas percorriam-na por toda a extensão
Ele era o carrasco e ela
a vítima da sua obcecada inspiração
Adestrá-la-ia à força até torná-la receptiva ao que trazia em si
Cravar-lhe-ia os dentes às partes mais íntimas
e se preciso fosse
rasgar-lhe-ia frente e verso
A respiração ora contida e ora pesada
já anunciava o instante preciso
Banhando-a com versos suados
ofegante
entrava e saia com voracidade e por vezes sucessivas
Num ir e vir primitivo ele a invadia ostensivamente
Movimentava-se confiante
enfiando e retirando-lhe palavras
certo de que um elo indissociável se estabeleceria entre ambos
O silêncio dela cadenciava o ritmo da covardia dele
Um potencial contestável anunciou o momento tão desejado
O açoite semântico contínuo e bruto o colocara à beira do êxtase
O mais intenso espasmo expressivo não tardaria
Em sofrimento mudo ela implorou que o ato fosse concluído
Todo o corpo dele tremia e sem que pudesse se conter
à face clara desmaiada sobre a mesa
despejou-se aos jatos
impregnando-a de versos sujos
Da fenda aberta escorreu-se vulgar com gosto de pele e pêlos
Faltava à inspiração restante a suavidade e a beleza das formas
Sobre a folha SubMetida não havia qualquer sintoma de poesia
Aquele era apenas mais um exercício literário desprezível do poeta
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Nina Delfim

2 comentários:

Anônimo disse...

Não é demais reiterar o que já lhe houve dito no scrapbook do orkut: seu trabalho é ES-PE-TA-CU-LAR! - Nessa peça (rara), vc escreve à Zola; remonta mesmo aos naturalistas, e daí evadindo-se, em contraponto, ao ultra-moderno. Harmonizados ritmo e contexto, notavelmente! Recupero, ainda, o fôlego! Beijo gostoso!
16/07/2006 12h36

shava disse...

estou tentando ler esta lirica linda bem devagar para não perder a sensação de a estar lendo...
ótima linda...tudo q um dia queria escrever e ainda não tinha vindo tal inspiração!