terça-feira, maio 22, 2007

Apologia da estupidez


Com a atenção fixa no cenário constante de resquícios iniciou os procedimentos habituais enfiando as mãos pelas nervuras abertas. O passado não interessava. A vida, um detalhe desprezível. Há muito a morte lhe trazia o sustento. À garganta, a lâmina ácida dos enganos se movia sobre o eixo da contrariedade, amontoando restos condenados à servidão. Era apenas um corpo de meia idade e de baixa estatura que cheirava mal. Orgulhava-se do automatismo adquirido. Não seria desafio à competência cortá-lo em inúmeros pedaços com os olhos fechados.
Concluída a dissecação, uma bolha de silêncio pairou pesada sobre o tema e das incisões feitas vazou um caldo grosso de palavras, confirmando a causa mortis como intoxicação verbal.
.
.
.
Nina Delfim

3 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto Ninah, bela mensagem. Você é maestra com as palavras. E elas seguem o rumo que você mesmo dá. A analogia entre anatomia e semiologia foi dez. Quero convidá-la a visitar meu cantinho e ler alguns textos meus: RATINHO AZUL, A MULATA DO BANGÜÊ e ESTRELAS NOS CÉUS DE CABUL. Acho que você vai gostar. Até...
01/07/2006 13h02

Anônimo disse...

fortíssimo, compacto e bom. Gostei do final, bela metáfora. Acho que muitos políticos tem essa causa mortis...rs um abraço, Valéria.
08/07/2006 19h34

Anônimo disse...

Excelente! O comentário de Ana Sessa foi mais que perfeito.Aplausos...ANa.
22/07/2006 21h41